sábado, 16 de janeiro de 2010

Surpreendente sonho

Ah, ainda era verde a grama e muito rosa a burgueville no jardim. O céu estava lindo, o ar fresco e as nuvens formavam desenhos. Beijos, bichos, corações. O sol estava fresco, combinando com a leve brisa que balançava apenas as pontas do meu cabelo. E ali estava, eu recostada na árvore, num piquenique solitário como de costume para reflexão e escrita. Admirava cada detalhe buscando inspiração para o próximo rascunho. De pálpebras cansadas, adormeci sobre o meu próprio ombro, e mesmo num breve cochilo, sonhei.
Despertei um pouco incomodada e agradada com um som sutil de um violão, acompanhando o canto dos pássaros, harmoniosamente. Mais parecia que os pássaros o acompanhavam. Era um melodia conhecida, e prometida a tempos a mim, por alguém que jamais cumprira a promessa de tocá-la. Parecia coincidência as partes em francês com o meu novo curso superior, mas a voz era familiar. Não era uma qualquer, era estilosamente sussurrada, como provocação. Fez-me lembrar de uma antiga paixão, uma impossível, por alguém que toca e canta tão bem, isso me encantava... me perdia só em observar. Aquele jeito poético de ser. Nunca fez, mas o imaginava sussurrando, me dava até arrepios.
E por recordar rapidamente dessas coisas, subiu em mim um arrepio, desses que sobem pela nuca e fazem inclinar um pouco a cabeça e piscar lentamente os olhos... E desta forma, lentamente piscando os olhos, reabri-os assustada. Seria tudo coincidência? Não sabia. Um frio ligeiro me subiu, sentei-me eretamente, ampliando meu campo de visão lateral, e não avistando ninguém. E se fosse um sonho, como poderia a música continuar mesmo após o meu despertar? Improvável.
Sentei-me sobre meus joelhos, largando o Bilu, mas não a caneta, esta eu prendi ao meu cabelo. Receosa, não olhei pra trás. Não sei bem se eu sentia medo ou ansiedade, não me surpreenderia com nenhuma das duas sensações. Pensei em correr até uma distância segura para olhar e tentar reconhecer que som era aquele, mas seria muita covardia. Ameacei então chamar a minha antiga paixão pelo apelido carinhoso minimizador de seu nome. E fiquei sem reação ao escutar a sua pergunta como resposta em seguida: "Surpreendida?". É, eu confesso que fiquei, e muito. O violão parou, virei para trás, e eis que ele saiu por de trás da árvore, com o seu sorriso. Levantei num pulo para o cumprimentar, ainda um pouco estarrecida com o aparecimento repentino. Agradeci pelo cumprimento da promessa da música, e o convidei a sentar.
Sentamos então, ali mesmo, no pequeno pedaço de pano que me acompanhava nos piqueniques a fim de não me sujar. Mas de tão pequeno que era, nos obrigou a sentar um bem ao lado do outro, nem me importava, não mesmo. E o silêncio após confortados permaneceu por um minuto eterno, enquanto olhávamos um ao outro indeterminadamente a fim de conferir alguma mudança desde a ultima vez que nos vimos. Reconhecimento feito, ele começou: "Finalmente, espero que não se vingue muito, ou que pelo menos me agrade a vingança." Risadas, e mais risadas, um pouco meio sem graças, mas risadas. Não fomos direto ao assunto, nem sabíamos ao certo qual era. E naquele momento descontraído de conversa ao vão, notei o que já havia notado antes quando era apaixonada. Notei sua maneira suave e marcante de falar, de mexer o cabelo que por vezes parece despenteado, o seu balançar das mãos... ai! Suas piadas de humor negro, tão delicado, e meio sádico de vez em quando... o que me assustava mas deixava um tom de mistério, como se por mais que eu o conhecesse, não soubesse mesmo quem ele é. Ficava receosa e cheia de vontade de decifrá-lo. Tudo, cada detalhe. E me fiz comparar de novo dentro de mim os sentimentos atuais que eu sentia.
Sentia muita coisa, sentia um furacão dentro de mim. Pensamentos que desejava que não fosse tão invisíveis a ele, outros que preferia nem pensar. E nos meus atos mais impulsivos, de querer exteriorizar o que penso, o abracei. Desejei muitas coisas no momento que o tive nos meus braços, só nos meus braços. Controlei-me com dificuldade, mas rapidamente, logo me desculpando. Quando novamente nos olhamos, e eu, como fuga, saltei, fincando de pé e falando assuntos embolados, soltando e prendendo novamente meu cabelo com a caneta, passando a mão na minha blusa, mega envergonhada. Envergonhada não pela minha atitude, afinal carinhosa... mas pelos meus pensamentos involuntários e invisíveis, que poderiam não ser correspondidos ao serem revelados.

Ele levantou pedindo minha calma, em vão o pedido, mas pediu. Segurou em meus braços, me abraçou sem obter resposta minha. Sentia-me uma criança novamente, inexperiente, insegura, e tudo mais com 'in' que puder expressar a minha incapacidade de reagir a mim mesma. Fechei novamente os olhos, com força. Ele me afastou de si e pediu que abrisse os meus olhos e o olhasse nos olhos. Senti-me corando na mesma hora, e abrindo lentamente os olhos com receio de ver o que eu mais desejei enxergar a tempo, mas que não sabia se era o que eu queria naquele momento, apesar da emoção momentânea. Devagar, ele lançou sua mão em meu cabelo retirando a caneta, alegando que ficaria melhor daquele jeito. Aceitei, e no mesmo ritmo ajeitei o cabelo de forma volumosa e sem definição quanto a posição. E fui me agachando até sentar novamente. Tive tanto medo de estranhar a minha reação, de não gostar, ou não sei o que.
Sentou-se em seguida, dessa vez mais encaixados e confortados um no outro. Não havia outra saída, a não ser conversarmos sobre o que aconteceu, sobre o que tem acontecido, sobre mim, sobre ele, enfim, sobre nós. Que tínhamos algo forte sem saber o que, que brincávamos com fogo sem saber, que dançávamos um ritmo sem saber, mas fazíamos juntos algo que não sabíamos o que. E após confessarmos coisas, sentimentos, sensações, acontecimentos que da minha parte eram verdadeiros e convenientes, e encaixarmos tudo, paramos mais um instante. Com o crepúsculo e a minha hora de partir logo chegando, ao canto das cigarras anunciando o sol d'outro dia, e algumas nuvens cobrindo o céu para a chuva vespertina de verão... aconteceu o inesperado. Ao nos aproximarmos, ambos com o mesmo desejo aparente, um beijo simples prestes a acontecer. Com minha mão em seu cabelo e no seu ombro, enquanto as suas estavam em meu cabelo e em minha cintura, escutamos um ensurdecedor estrondo no céu acompanhado de um clarão que fez daquele inicio de noite, um novo e breve amanhecer, o que nos fez afastar por susto.
E inquietada novamente, e torcedora da chuva se demorar mais um bocado, recolhi a caneta e o caderno, enrolando-os no pequeno pano, e abraçando com força, já sentindo os pingos pesados de chuva. Dei alguns passos enquanto o via indo pegar o violão que ficara por de traz da árvore, e percebi que ainda o via da mesma forma... assim o vendo de costas, ele me lembrava muito um menino, um molequinho, sempre com suas calças meio soltas, o mesmo tipo de camisa... Contornando a árvore e voltando a mim, fui ao seu encontro, parando frente a frente, me aproximando a alguns centímetros por segundo, percebendo-o largar o violão, enquanto me puxava pela cintura com a outra. Largava então o meu enrolado, passando minhas mãos para seu rosto. Essa era mais uma forma de ver ser ele era real.
Começava então a, literalmente, chover. E os dois com sorrisos garfildianos, olhávamos pro céu, e voltávamos a nós, continuando da onde o trovão interrompeu. Concretizado então, o que por vezes em sonho eu desejei. O primeiro beijo após tanta história, tantas idas e quase vindas.
E percebia que incomodava aquela chuva, tão quanto antes não a percebia. E me sentia incomodada pela posição. A cabeça doía, e tudo parecia desconfortável. Mas ainda assim sentia em meus lábios o meu sorriso. Sorriso ? E de repente perco o apoio onde repousava cabeça. Sorriso? Cabeça? E sinto minha mão relaxar e deixar soltar algo. Sorriso? Cabeça? Algo? Tentei rapidamente segurar, com o maior receio de ter o largado, de ter o deixado partir mais uma vez. Quando senti espetar minha mão em alguma ponta inconveniente, que me vez apertar os olhos, e os abrir por curiosidade. E o descontentamento ao ver o dia ainda claro e nublado, os pássaros cantando, e a caneta me espetando. Num pulo levantei, rodei a árvore, descrente de que nada daquilo tivesse sido real. Perdendo minhas forças, desmontei no pequeno pano, dessa vez espaçoso por não ter que dividi-lo, com uma lágrima simples mas doída escorrendo em mim. Peguei o Bilu, e descrevi meu desespero de novamente ter sonhado com o irrealizável, de ter desejado o indesejável, de querer o impossível. Sonhos.


 "Sonhos sempre teremos, mas não adianta apenas idealizá-los, precisamos agir e aproveitar o que a vida nos oferece." - Ou seja, sonho é aquilo que acreditamos que seremos capazes de realizar... tudo o que sonhamos e acreditamos, podemos tornar realidade. (Tarci)

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